Luís Roberto Demarco Nunca desista
Sei que todo filho diz isso, mas o estrogonofe da minha mãe é mesmo o melhor do mundo. Eu adoro estrogonofe por causa disso, sempre foi meu prato predileto. Lá em casa ele foi batizado de “estrogomeire”, em homenagem à minha mãe. Apesar de ser brasileiríssima do interior de São Paulo, de Piraju, ela ganhou dos pais, Pedro e Maria, um nome em inglês, Mary, pronunciado "Meire" desde pequenina. E o seu “estrogomeire” tem uma história sensacional.A receita do estrogonofe veio com a minha tia Cida, irmã mais nova da minha mãe e prematuramente falecida. É uma receita com uma boa dose de conhaque. Minha tia foi a Assis e ensinou a cozinheira. Enquanto preparava o estrogonofe com todos aguardando na sala de jantar, a cozinheira resolveu beber um copinho de conhaque para cada dose que adicionava na preparação do prato. Encheu a cara e, em vez de levar o es-trogonofe para a mesa, resolveu fazer um strip-tease e se declarar para o meu pai. Hoje damos boas risadas disso, mas obviamente minha mãe demitiu a empregada. Depois desse episódio, só ela mexe no estrogonofe.
Casada há 43 anos com o único homem da sua vida, ela nunca deixou de ser uma mulher ciumenta de seu marido, ao mesmo tempo muito apaixonada, e sem dúvida, dona da situação (e, claro, do estrogonofe).
Indo além das empregadas saidinhas, minha mãe nunca se deixou intimidar. É a pessoa com a maior força de vontade dentre todas as que conheço. Na sua trajetória se destaca o exemplo da perseverança e da determinação. Ela sempre foi uma mulher bonita e sorridente, que se orgulhava da cinturinha fina da sua juventude. Orgulhava-se mais ainda de seu estudo, de ter cumprido com excelência um curso universitário e se tornado professora de Geografia, em uma época onde poucas mulheres podiam lutar por seu próprio sustento sem depender do marido. Apesar do jeito meigo e feminino, ela conseguiu conciliar como ninguém o sucesso profissional aliado a uma intensa dedicação à formação de sua família.
Depois da graduação na Universidade de São Paulo, em 1962, ela e meu pai foram juntos desbravar a pequena cidade de Assis, voltando a São Paulo somente para o meu nascimento, em dezembro daquele ano. O parto natural difícil foi a primeira indicação que eu tive, mesmo de forma inconsciente, da tenacidade da minha mãe. A posição invertida e o cordão umbilical sufocando a criança lhe tomaram várias horas e muita dor para ouvir o choro de seu primeiro filho.
Na época, Assis não possuía mais do que algumas ruas asfaltadas, além da avenida principal, a Rui Barbosa. Águas barrentas saíam das torneiras e a falta de meios de comunicação fazia os 450 quilômetros que separam a cidade da capital ficarem muito mais distantes do que hoje. A prestação da pequena casa comprada pelo casal era algo como 70% do salário de meu pai. Minha mãe administrava com rigor os 30% que restavam, na ponta do lápis e na conta das dificuldades. Apesar do filho de colo, ela sacou seu diploma e foi ajudar no orçamento familiar dando suas primeiras aulas no Ernani Rodrigues, uma escola secundária que ficava do outro lado da cidade, uns três quilômetros ladeira acima. Minha mãe pagava uma charrete para fazer o trajeto de subida, voltando a pé depois das aulas para economizar também aquela condução. Ela não se importou quando as outras professoras lhe avisaram que aquele transporte era utilizado pelas "mulheres da vida" da cidade. Mulher sempre à frente do seu tempo, ela enfrentou o preconceito e ditou um novo comportamento. Logo, muitas outras professoras seguiam o seu exemplo, popularizando e desmistificando a utilização da charrete como meio de transporte em Assis.
Eu vivenciei pessoalmente a atividade profissional da minha mãe, tendo sido seu aluno de Geografia por três anos no curso secundário. Assistia às aulas com admiração, pois além de professora rigorosa, ela era uma espécie de "mãe" de diversos alunos carentes na escola – aconselhava nos namoros, dava apoio a crianças vítimas de violência doméstica ou meninas que engravidavam, para citar alguns casos cotidianos. Comigo ela era triplamente rigorosa. Eu era bom aluno, mas, para não deixar qualquer margem de dúvida, minha mãe foi a professora mais exigente que já tive. Eu era "sorteado" em quase todas as aulas para chamadas orais, se abrisse a boca era colocado para fora da sala, um inferno. Prefiro ela como mãe, mas a verdade é que até hoje sei bastante coisa de Geografia. Afinal, um engenheiro químico, como eu sou, dificilmente saberia que a capital do Burundi é Bujumbura.
Minha mãe nunca hesitou em colocar a mão na massa e resolver os problemas. Em 1969, meu pai ganhou uma bolsa para fazer seu doutorado em Portugal. Viajamos dez dias de navio, já com a presença da Denise, minha segunda irmã, então com três aninhos de idade. Uma das atividades de entretenimento do navio foi um desfile a fantasia. As outras crianças haviam comprado fantasias luxuosas e bonitas. Mas a "dona" Mary não deixou por menos. Com umas poucas folhas de papel crepom, ela mesmo costurou uma fantasia de pirata para mim e outra de fadinha para a Denise. O capricho foi tanto que conseguimos um honroso segundo lugar, para alegria dos pais-corujas. Ficou na minha lembrança aquela mulher que sempre resolve e faz tudo por seus filhos.
Eu sou parecido e sempre fui muito ligado ao meu pai. Era o único homem na família e, portanto, meu pai foi meu companheiro e professor nos esportes, no futebol que eu gosto tanto e no acompanhamento profissional. Mas a cada dia que passa fico mais e mais ligado e admirado por minha mãe. Hoje aposentada como professora, ela nunca parou de trabalhar. Ajuda minha irmã Denise na Farmácia Callithea, ajuda a outra irmã, Luciana, na suas buscas profissionais, e comigo, até virou sãopaulina. Ela adora dançar e com sua incansável bateria é difícil fazê-la parar. Ela adora viajar e, ao voltar, já está planejando a próxima viagem. Ela sempre quer reformar sua casa e fazer dela um lugar melhor para a família. Não deixa meu pai esquecer que a vida merece ser vivida e que a persistência nos bons propósitos sempre vale a pena. Eu aprendi muito com a minha mãe, aprendi a ter determinação e alegria. Aprendi a colocar muita energia naquilo que considero importante. Aprendi a construir. E aprendi a não desistir nunca.
Minha Mãe
Filha de Maria José e Pedro Demarco, Mary Demarco Almeida nasceu em Piraju, no interior de São Paulo, numa chácara com vista panorâmica sobre o Rio Paranapanema. Quando tinha 11 anos, sua família se mudou para Itapetininga, onde fez o curso normal, no Instituto de Educação Peixoto Gomide. Continuando os seus estudos em São Paulo, na USP da Maria Antônia, formou-se como Professora de Geografia do Ensino Médio.
Trabalhou dois anos no Citibank e ali conheceu João de Almeida, com quem se casou em 1961 e veio a ter três filhos – Luís Roberto, Denise e Luciana. Por razões profissionais do marido, que passou a ser docente da Unesp, radicou-se, desde 1962, na cidade de Assis. Desde então, deu aulas de Geografia em escolas de Maracaí, Paraguaçu Paulista, Fartura e Assis. Após a sua aposentadoria, passou a ajudar a tomar conta das farmácias da filha Denise.
Trabalhou dois anos no Citibank e ali conheceu João de Almeida, com quem se casou em 1961 e veio a ter três filhos – Luís Roberto, Denise e Luciana. Por razões profissionais do marido, que passou a ser docente da Unesp, radicou-se, desde 1962, na cidade de Assis. Desde então, deu aulas de Geografia em escolas de Maracaí, Paraguaçu Paulista, Fartura e Assis. Após a sua aposentadoria, passou a ajudar a tomar conta das farmácias da filha Denise.
Luís Roberto Demarco: Presidente do Grupo Nexxy, que abriga empresas de tecnologia. Trabalhou na IBM, no GP Investimentos e no CVC/Opportunity até fundar sua própria empresa.
Fonte: http://www.aprendicomminhamae.com.br/site/oquee/autor/id/123
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